Memória das águas na era climática: a história da Lagoa do Mirim

A Lagoa do Mirim, historicamente, sustentou aqueles que moraram em suas margens: garantiu o comércio, a alimentação e a vida das pessoas que dela dependiam. Desde os povos sambaquieiros, que exploravam peixes e crustáceos em suas margens, passando pelos Guarani, até os colonizadores europeus e seus descendentes, todos encontraram na lagoa um elo de sobrevivência e pertencimento. Encontra-se registrado na história das comunidades que se formaram às margens da lagoa a sua grande importância para o transporte de mercadorias. Foi utilizada para o recebimento de produtos vindos de Laguna e para o envio da produção de café do Mirim, especialmente destinada ao Rio de Janeiro. Também serviu de via para que comunidades como a do Sambaqui escoassem sua produção de mandioca, que chegava a outras cidades pelo porto de Laguna. Esse movimento comercial foi fundamental para o crescimento econômico e o sustento das populações locais. Na segunda metade do século XX, novas pressões se impuseram. Nos anos 1970, planejou-se a dessalinização da lagoa para abastecer o Complexo Industrial de Imbituba. O projeto, que exigia barragens para bloquear a entrada da água do mar, ameaçava o equilíbrio ecológico e a reprodução do camarão — principal fonte de sustento regional. A mobilização comunitária e política foi decisiva para barrar a iniciativa. Na década de 1980, outro impacto surgiu com a expansão das lavouras de arroz irrigado às margens do rio D’Una. Durante períodos chuvosos, águas com resíduos agroquímicos escoavam diretamente para a lagoa, reduzindo a presença de crustáceos justamente em outubro, temporada de pesca. Ao sul, a pesca artesanal passou a competir com a pesca industrial marítima, que reduzia o fluxo de camarões pela Barra de Laguna, agravado ainda pelo fechamento de barras naturais decorrente da construção da BR-101. Esses episódios revelam como, em diferentes fases históricas, a Lagoa do Mirim foi atravessada por pressões humanas que modificaram seu equilíbrio ambiental e social. Hoje, ainda que o número de pescadores profissionais tenha diminuído, a memória, a tradição e a resistência das comunidades permanecem vivas, assim como a capacidade do ecossistema de se adaptar. É nesse ponto que a 19ª Primavera dos Museus, com o tema “Museus e mudanças climáticas”, ganha relevância. A crise climática deixou de ser uma ameaça futura para se tornar realidade, transformando paisagens, culturas e modos de vida. A Lagoa do Mirim é exemplo dessa relação direta entre ambiente e sociedade: de eixo comercial e fonte de subsistência a território marcado por conflitos ambientais e econômicos. Cabe aos museus preservar essa memória, conectando experiências locais a debates globais e reforçando a consciência coletiva de que proteger o ambiente é também proteger a história e a identidade cultural das comunidades.

Museu da Freguesia de Mirim